Hey!

–  Hey!

Chamou Roberto, ao homem bem trajado, sentado à mesa do restaurante, que folheava o cardápio. Não se recordava do nome dele, mas estava convicto de que o conhecia. Foi no jantar do Rotary Clube. Não, foi na recepção do novo Cônsul Geral do Canadá. Qual quê, no casamento da prima Júlia… Não tinha a certeza, a não ser a de que, como novo membro do Clube, devia cumprimentá-lo.

Hey!  Como vai? – Eis a resposta que obteve.

Também Carlos não tinha a certeza da pessoa do seu interlocutor. Era-lhe familiar. Tão familiar que lhe parecia mal ignorá-lo. Aliás, no Clube ninguém podia ignorar ninguém. Generosidade fazia parte da etiqueta, principalmente para quem acabou de ser aí admitido.

– Sente-se, há tanto tempo que não o via.

– Pois é, já lá vão uns meses. Como tem passado? – tentava ganhar tempo, mas não lhe ocorria outra frase menos cliché, e a mente folheava em vão as páginas da memória, sem descortinar a pessoa que acabou de o convidar.

– A vida tem corrido bem, graças a Deus! – disse efusivamente, com a esperança de que deste modo o seu interlocutor se lhe revelasse melhor. – E você?

– A vida também sempre a andar e não pára, com altos e baixos como em tudo – sorria, sabendo da futilidade disso que nem resposta tinha categoria de ser.

Já sentado na mesa da pessoa que começava a esboçar-se no limbo da sua memória, arriscou.

– Sózinho?

– Sim, não sou casado.

Decididamente não era o que conhecera no casamento da Júlia, que tinha mulher e duas filhas. Enquanto cogitava coisas para alimentar a conversa, Carlos avançou.

– Se não estou em erro, você trabalha na secção de seguro de vida na Império, certo?

– Sim! – Roberto nem pestanejou. Mas recordou-se logo de seguida que era apenas um cliente da mesma empresa.

– Sou muito amigo do Sammy Wong.

Tratava-se naturalmente de alguém importante da Seguradora, de quem o seu interlocutor era chegado. Amigo do Sammy e não de senhor qualquer.

– E quem não seria? É um tipo fora de série, com um sentido de humor do mais apurado, sempre pronto para ajudar, não acha? Quando esteve com ele?

Carlos já se arrependia desse rasgo de inspiração, quando lhe calhara esse nome de que nem ao Diabo lembraria.

– Na semana passada, num cocktail do Clube Militar. Oh, foi pena você não ter ido. O Sammy estava inspirado até mais não.

– Nada me espanta com ele. Com certeza distribuiu os seus cartões de visita bem vistosos. Os tais! – Piscou o olho, brejeiramente, quando lhe ocorreram imagens de panfletos de propaganda pornográfica deixados ao abandono junto de alguns hotéis da cidade.

Carlos quase se engasgara com essa, mas recompusera-se o suficiente para gargalhar ao que supostamente devia ser uma piada. Mas depois, atravessou-lhe o calafrio pela espinha, ante o facto de não saber de que “tal” cartão se trataria.

– Claro! Só podia ser o Sammy com essa dos …cartões! – Não se desfez e retirou a sua carteira do bolso – Oh, que chato não trago nenhum, pois mostrar-lho-ia! – Adiantou-se antes que o outro lhe perguntasse por ele.

Roberto também se soltava desbragadamente, embora interrogando-se qual teria sido a história hilariante por trás do raio dos cartões, que fortuitamente lançara à conversa. Quem seria Sammy Wong?

A conversa já progredia em segunda pessoa. Falaram de tudo, de política, da Seguradora Império, dos planos estratégicos para a China Continental, das pessoas que supostamente deviam conhecer e, claro, das peripécias do Sammy. Pediram sopa e bitoque, dispensando vinho e sobremesa. Pensaram também na conta, se um tivesse que convidar o outro.

– Esplêndido almoço! – Eis a exclamação comum a final. Combinaram novo encontro para a seguinte semana, no mesmo local e na mesma mesa, e procederam à troca dos cartões de visita. E antes de se aperceberem de que os nomes daí constantes, nada têm a ver com quem quer seja do círculo dos respectivos conhecidos, entrava de rompante o Dr. Lei Man Fai.

Hey!

A voz do “Presidente” era tão forte e entusiástica que todo o restaurante estremeceu. Um homem de sorriso largo e franco, que falava com alma e paixão, generoso e arguto. Na verdade era apenas o relações-públicas do clube. Mas a sua postura de autoridade conferia-lhe um estatuto que só presidentes mereciam. Roberto e Carlos, levantaram-se num ápice para cumprimentar o extravagante dirigente, quando este passava pela sua mesa.

– Olha quem está aqui! – essa, uma das frases de marca do afável “Presidente”, a todos que encontrava pelo seu caminho.

Carlos, não estava minimamente à espera da exclamação efusiva que lhe era dirigida. Não obstante, soube-lhe bem ouví-la, pois vinha de quem certamente pesava no Clube.

O generoso doutor não ficou por aí, e de seguida deu uma palmada no antebraço do outro – Até que enfim te vejo aqui!

Roberto sentiu-se melhor, não foi preterido. Até achou que o comentário do simpático doutor, soara ainda mais intimista.

– Pois, até que enfim. Não me esqueci das vezes sem conta que você me falou deste Clube.

– Sempre soube que este clube era o melhor, também não resisti – Carlos não quis ficar para trás.

– Meus queridos, isto não é casa para qualquer um. Aqui reina a classe e a sua finura. O espírito é de partilha, de boa disposição e de camaradagem. Tenho a certeza de que isso vai na linha do vosso feitio. E já agora quem vos recomendou? Deve ter sido um amigo muito bom!

Ambos assentiram e pensaram no mesmo, quanto à pessoa de maior crédito no momento.

– Sammy Wong!

– Ahh… Sammy, o mágico?

Pela primeira vez trocaram olhares.

– Sim… esse mesmo. Da Império. – adiantou Carlos.

– O homem dos cartões! – Roberto completou.

O presidente abriu os olhos e sorriu ainda mais.

– Pois é mesmo como vocês o conhecem! Exímio nos tais cartões. Eles aparecem e num ápice ele fá-los desaparecer à nossa vista! Olha que ele não dá show para todos! – Risos de brejeirice.

– Você deveria tê-lo visto na semana passada, foi um espectáculo!

Carlos repetia confiante a história que relatara a Roberto. Este não ficando atrás, até se lamentou ter deixado em casa o que o famoso lhe teria oferecido. Sentiam-se agora alguém. Falavam com legitimidade de Sammy Wong e presenciaram como privilegiados o seu espectáculo de magia na semana passada com os tais cartões.

Por fim despediram-se, tendo o dr. Lei insistido em pagar a refeição, e ante o protesto dos outros, combinou-se novo almoço para o dia seguinte por conta destes.

Lá fora do Clube, Roberto e Carlos apertavam calorosamente as mãos, como amigos de longa data. Por ambos passara a confortável sensação de ter ganho o dia, o terem almoçado no Clube e merecerem a liberalidade do seu presidente, nessa sua primeira vez. Prometeram mutuamente a manterem-se em contacto, especialmente nas tais ocasiões mágicas.

Lá dentro do Clube, o Dr. Lei falava ao telefone.

– Sr. Inspector, quanto àquela informação que me pediu há uns tempos atrás, sobre os cartões de crédito falsificados, o “mágico” está em Macau. … Como eu sei? Dois indivíduos que nunca vi na minha vida, acabam de me contar coisas que só confirmam isso… Claro que é de fiar, que interesse teriam em inventar a história que me contaram? Tenho os seus contactos. E amanhã almoçarão comigo, se quiser apareça. Agora deixe de me telefonar todos os dias, pois trabalho e não faço truques de magia!

Macau, 9 de Fevereiro de 2018, sexta feira.

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